5 perguntas para Lincoln de Assis Moura Jr. sobre Saúde Digital no Brasil

Especialista em Digital Health fala sobre os obstáculos que impedem a ampliação do uso pleno da tecnologia na Saúde no Brasil e sobre o que podemos esperar para o futuro

A Saúde Digital, há algum tempo, já é realidade no setor hospitalar brasileiro, mas ainda há muito espaço para este princípio crescer e se fortalecer. Apesar de a tecnologia estar cada dia mais evoluída, ainda existem dificuldades que impedem que a Saúde Digital atinja seu potencial máximo. Para entender melhor quais são esses entraves e o que deve vir pela frente, conversamos com Lincoln de Assis Moura Jr, VP Digital Health Strategy na BLeao Digital Health. 

1. Quais são os principais entraves para a prática da Saúde Digital nos hospitais brasileiros?

Eu acredito que o principal entrave seja a falta de interoperabilidade entre os sistemas de informação, não apenas nos hospitais, mas em todas as áreas da Saúde. Por sua vez, a falta de interoperabilidade é decorrência da falta de padrões de uso nacional para representar, armazenar e trocar dados clínicos. Há, ainda, uma falta de cultura da necessidade de troca de informações de saúde, em benefício dos pacientes.  

2. O que esses entraves representam em termos de prejuízo para a Saúde no Brasil? 

A consequência direta da baixa interoperabilidade entre sistemas de informação clínica é a falta de informação para o atendimento ao paciente no lugar certo e na hora certa. Ao sermos atendidos em um estabelecimento de Saúde, todos nós estamos acostumados a informar repetidas vezes nossos dados, nossas queixas e outras condições. Até achamos normal. Na verdade, essa realidade leva ao retrabalho, desperdício e ineficiência operacional, além da má qualidade do atendimento e da resultante má experiência para o paciente e profissionais.

3. Na sua opinião, o que é necessário para fortalecer o pleno exercício da Saúde Digital no País?

As dificuldades enfrentadas pela Saúde Digital são menos de caráter tecnológico e mais de natureza organizacional. As tecnologias de armazenamento e processamento em nuvem, bem como as ferramentas de implantação dos padrões internacionais para a representação e troca de dados de saúde evoluíram muito nos últimos anos. A tecnologia é a viabilizadora da interoperabilidade. Temos que avançar nos grandes acordos para adoção de padrões, legislação, capacitação e casos de uso nacionais que mostrem o poder da interoperabilidade e a sua necessidade urgente. O sistema bancário nacional com o PIX é um exemplo da eficiência da interoperabilidade, que exige acordos formais entre os atores do sistema financeiro, em um esforço patrocinado pela autoridade pública, no caso, o Banco Central. 

4. Poderia dizer o que você vê como tendência de tecnologia para a Saúde Digital brasileira nos próximos anos?

Em 2021, foi publicada a Estratégia de Saúde Digital para o Brasil, com foco em 2028 (ESD28). A ESD28 estabelece como visão estratégica que a Rede Nacional de Dados de Saúde (RNDS) será reconhecida como a plataforma nacional de inovação, informação e serviços de Saúde, em benefício de todos. A ESD28 é um documento robusto, elaborado a partir de sete prioridades que, ao serem atendidas, nos deixarão mais próximos da visão estratégica proposta. Eu vejo como tendência um alinhamento colaborativo em torno da ESD28 capaz de impactar positivamente todas as fragilidades que discutimos aqui, levando a ambientes integrados para a troca de informação e prestação de serviços de saúde públicos e privados que sejam efetivos, eficazes, ampliem o acesso de pacientes à saúde de qualidade e promovam o desenvolvimento econômico e social.

5. Muito se fala, hoje, sobre o metaverso. Qual será o papel desta tecnologia na Saúde Digital?

Bem, em primeiro lugar, creio que seja necessário dizer o que é o metaverso, na prática. O melhor exemplo que conheço são os ambientes de jogos eletrônicos, em que dezenas ou mesmo centenas de jogadores participam em um espaço virtual, que é uma simulação bastante próxima da realidade. Este é o caso, por exemplo, dos ambientes virtuais de simulação dos processos de Aviação Civil.

Os participantes se conectam ao ambiente virtual como pilotos ou controladores de voo, por exemplo, com pistas, relevo, edifícios das cidades reais e todas as regras físicas e normativas da aviação são reproduzidas ali. Desta forma, todos os pilotos recebem as mesmas informações, veem os mesmos cenários e devem obedecer às ordens das torres de comando. Este metaverso da Aviação Civil existe há mais de vinte anos. Assim, a qualidade da modelagem computacional que implementa o metaverso é essencial para o seu sucesso. É o ambiente virtual que dá realismo ao metaverso. 

Estes conceitos têm muitas aplicações em saúde e medicina, tanto do ponto de vista de ensino como de treinamento de procedimentos, especialmente os cirúrgicos, que podem ser realizados de forma colaborativa e à distância. Podem, ainda, ser aplicados para simular a operação de redes de atenção, com a participação de grande número de atores. O ambiente pode ser utilizado para testar inovações, como novas tecnologias, modelos de serviços, modelos de referência e contrarreferência, entre outros. No ambiente virtual, estes testes não representam riscos para os pacientes e permitem, assim, grande criatividade.

À medida que avança a capacidade de simulação e o uso de dispositivos que se conectam diretamente à Internet (IoT), como monitores de sinais vitais, por exemplo, também haverá a expansão das aplicações de metaverso, aumentando a interação entre o mundo real (o paciente e os seus sinais vitais, por exemplo) e o mundo virtual. Obviamente, o conceito de metaverso é muito poderoso, com muitas descobertas e barreiras à frente. O cuidado com o cidadão/paciente e o compromisso com a saúde da população devem, no entanto, sempre se sobrepor ao desenvolvimento tecnológico em si. 

“Temos que avançar nos grandes acordos para adoção de padrões, legislação, capacitação e casos de uso nacionais que mostrem o poder da interoperabilidade e a sua necessidade urgente." Lincoln de Assis Moura Jr, VP Digital Health Strategy na BLeao Digital Health.

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