O que a Copa do Mundo tem a ver com os hospitais sem papel?

Um dos maiores eventos esportivos mundiais atinge o status de primeira Copa sustentável, mostrando a urgência de todos os setores da economia exercerem ações concretas para a preservação do planeta

Para o Qatar, um pequeno país árabe da Ásia Ocidental, cercado por desertos, cuja maior riqueza é a extração de petróleo, a sustentabilidade se tornou um grande desafio. Isso aconteceu quando a Federação Internacional de Futebol (FIFA), ao aceitar o país como sede, impôs a tarefa de realizar a primeira Copa do Mundo sustentável. 

Durante anos, o comitê organizador da Copa 2022 “mergulhou” em questões como gestão de resíduos da construção de hotéis e estádios, dessalinização de água do mar para o suprimento de água potável e a mobilidade de um milhão de pessoas, entre visitantes e atletas, com um mínimo possível de emissão de carbono. 

Os acessos para encontrar soluções sustentáveis em um mundo já impactado pelo efeito estufa não acontecem em um piscar de olhos, claro. Mas, a comissão organizadora do evento mostrou que é possível encontrar respostas para diminuir os problemas ambientais que põem em perigo a vida no planeta.  

Um dos melhores resultados desse intenso planejamento para a Copa foi a construção do Estádio 974, considerado a grande aposta no que se refere à inovação, design e sustentabilidade. É o primeiro estádio coberto, desmontável e reutilizável, inteiramente construído com 974 módulos individuais em aço, semelhantes a contêineres de transporte. Ao final do evento, o estádio será desmontado, transportado e remontado no país que sediará a Copa de 2026, economizando, dessa maneira, recursos financeiros e quantidade considerável de emissão de gás carbônico, como acontece nas edificações de grandes obras, como um estádio de futebol. Vale acrescentar, ainda, que a refrigeração de todos os estádios é alimentada por energia solar 

E qual a relação dos hospitais com esta edição inovadora da Copa do Mundo de futebol?

Primeiramente, vale observar que se a sustentabilidade assumiu uma proporção tão expressiva em um dos maiores eventos esportivos do planeta, onde todas as atenções estão voltadas para a competição em si, tal fato sinaliza que as empresas, de qualquer segmento da economia, devem encarar essa agenda com cada vez mais intensidade e responsabilidade, pois serão mais  cobradas por isso — o que se aplica, naturalmente, às instituições de Saúde.   

Em segundo lugar, é possível observar que várias práticas de governança adotadas pelo comitê organizador do evento podem ser abraçadas pelo setor de Saúde. Algumas, inclusive, já fazem parte do dia a dia de muitas empresas para diversas frentes do negócio, podendo ser cada vez mais direcionadas para fortalecer o nível de sustentabilidade dos hospitais brasileiros.   

A cultura do “sem papel” 

Construir um planeta mais sustentável demanda a quebra de uma série de barreiras comportamentais. Não basta querer mudar, deve-se agir e pensar de maneira sustentável. Ao longo de 2019, portanto, o comitê de Desenvolvimento do Comportamento do evento esportivo incentivou práticas de sustentabilidade para, gentilmente, incentivar as pessoas a fazerem melhores escolhas. 

Um dos melhores exemplos foi o incentivo e o suporte dado aos funcionários dos comitês ao proporcionar ferramentas tecnológicas para a troca de mensagens, reduzindo, e até evitando, a impressão de documentos. Por meio de notas, o comitê também informava o número da derrubada de árvores necessária para produzir a quantidade de papel que seria utilizada se essas impressões fossem realizadas. Uma maneira concreta de demonstrar o que o meio sofre por conta de uma prática que pode ser evitada.  

O uso racional do papel, a propósito, é um tema cada vez mais presente no setor hospitalar brasileiro. Em instituições de Saúde, a conscientização da necessidade de eliminar o papel dos processos também requer um movimento educacional. Para uma área altamente burocrática, que exige uma grande quantidade de documentos, se tornar paperless representa diversos ganhos em produtividade e economia. Além disso, capacitar colaboradores para utilizar ferramentas digitais é o caminho para organizações começarem a pensar de maneira sustentável no dia a dia. 

Segundo André Marcelo Freitas Almeida, Gerente Comercial da Green Soluções, é muito importante quebrar a barreira da desconfiança sobre os processos digitais. Até porque, o papel se torna um elemento limitador no âmbito da gestão, pois oferece diversos riscos, como perdas e falta de assinaturas, além de representar um gasto maior para a instituição. 

“Quanto mais ciente do quanto a sustentabilidade está na organização, mais essa questão faz parte das estratégias. Entender seus impactos ajuda a engajar seus colaboradores e isso vem de uma diretriz organizacional”, complementa Alessandra Azevedo, especialista em Compras Sustentáveis do Projeto Hospitais Saudáveis.

“Uma empresa pode criar ferramentas e propor iniciativas com objetivos fáceis de serem implementados, além de criar canais de escuta, ou seja, não só falar, mas também escutar o que os colaboradores têm a dizer. Isso deixa o tema vivo dentro da organização. A sustentabilidade é o objetivo, mas é também o meio e demanda uma reflexão constante.” 

Sustentabilidade da cadeia de suprimentos 

No planejamento da Copa do Qatar, seus organizadores sabiam que, ao trabalhar com grandes cadeias de suprimentos, seria fundamental descobrir se fornecedores e empresas terceirizadas estariam alinhadas à mesma visão de sustentabilidade pretendida pelos organizadores do evento. Uma das medidas adotadas pelo comitê central para a seleção de parceiros comerciais foi obter a concordância para o monitoramento e avaliação de cada um deles no desempenho de suas funções em relação aos preceitos de sustentabilidade, ligadas às suas respectivas áreas de atuação.  

A diversidade em relação aos fornecedores e materiais gerenciados também é uma característica muito forte no setor hospitalar. “A cadeia de suprimentos tem um papel fundamental para as organizações de Saúde avançarem com seus compromissos de sustentabilidade. Um estudo divulgado em 2019 pela Saúde sem Dano diz que a Saúde é responsável por 4,4% das emissões globais líquidas de gases de efeito estufa. Mais de 70% disso é referente à cadeia de suprimentos do setor”, explica Alessandra.  

Escolher fornecedores com princípios semelhantes à instituição de Saúde é importante para um negócio sustentável. De nada adianta adotar diversas medidas com base nas práticas de ESG quando se tem contrato com empresas que trabalham com mão de obra análoga à escravidão, por exemplo, ou que não considera descartes sustentáveis em sua linha de produção. “A organização pode perguntar para o fornecedor se ele também tem práticas de sustentabilidade, ou seja, colocar critérios em relação aos fornecedores, alinhados com as suas práticas, como gestão de resíduos e consumo de água na produção, por exemplo”, sugere a especialista.  

Crie um comitê de sustentabilidade 

Todos os passos relacionados ao planejamento da Copa do Mundo foram suportados por grupos de trabalho fortemente engajados. Traçando novo paralelo com os hospitais, Alessandra sugere que a criação de um comitê de sustentabilidade pode auxiliar muito os hospitais a lidarem com suas questões ambientais, como redução no uso de papel, gestão mais eficiente de resíduos e obtenção de maior eficiência energética 

“O comitê é formado por um grupo de pessoas que assessoram a organização nas tomadas de decisões relacionadas à sustentabilidade, identificando oportunidades e desafios”, conta Alessandra. “Quanto mais próximo da alta liderança, maior será a influência deste grupo na decisão estratégica. O sucesso do comitê depende muito de ele ser multidisciplinar, porque, desta forma, têm-se uma visão mais ampla das questões sustentáveis, além de ter maior colaboração das várias áreas da organização para melhorar seus objetivos de sustentabilidade e avançar realmente com seus compromissos ao longo do tempo.” 

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