ESG na Saúde: como os hospitais podem contribuir com o compromisso brasileiro de descarbonização?

A redução das emissões de carbono deve ser um esforço de todos os setores, inclusive dos mais críticos da sociedade, como a Saúde

Até 2030, o Brasil deverá reduzir suas emissões de carbono em 50% (com base nos níveis de 2005) e zerá-las até 2050. Pelo menos é o que diz o seu acordo firmado durante a COP 26, no ano passado, e reforçado este ano, na COP 27, que aconteceu em novembro, no Egito. A conferência manteve sua meta de bloquear o aumento da temperatura média do planeta em 1,5ºC até o final do século. Entretanto, a realidade é que estamos no limite desta janela de oportunidade de evitar o pior cenário mapeado pela ciência em seus prognósticos.  

“O efeito do aumento da temperatura é um desequilíbrio na natureza, no clima e na biodiversidade, com impacto nas cadeias de abastecimento e nas seguranças alimentar, hídrica e energética. Tudo isso afeta os seres humanos e a economia. Estamos falando das consequências de chuvas intensas, enchentes, estiagem, seca, incêndios, quebra de safras, destruição de infraestrutura, mortes e migrações em massa”, explica Silvana Cury, gestora do Desafio de Clima do Projeto Hospitais Saudáveis (PHS). 

E como as instituições de Saúde podem fazer a sua parte para ajudar o País em seu compromisso com o clima? Nesta entrevista, a especialista compartilha com o setor um parâmetro de onde os hospitais estão no contexto da descarbonização. 

O compromisso de reduzir as emissões de carbono em 50% até 2030 e atingir zero emissões líquidas até 2050 é uma conquista possível para o Brasil? 

Para que consigamos diminuir a intensidade do aquecimento e suas consequências, é preciso colocar nossos esforços imediatamente para irmos na direção mais segura. Nenhum novo investimento pode deixar de receber este olhar crítico sobre suas consequências em termos de emissões de gases de efeito estufa. Os processos atuais devem ser revistos quantitativamente em termos de emissões de gases de efeito estufa também.  

O uso de determinados produtos deve ser evitado, como combustíveis fósseis e seus derivados. Há muita expectativa de que o Brasil volte a agir de acordo com uma realidade de emergência climática e há competência para isso, desde que haja priorização desta agenda e boa gestão desta pauta em todos os níveis: federal, estadual, municipal, privado e sociedade civil. Diversos estudos calculam que a necessidade financeira para agirmos pelo clima não é absurda.  

Citando Yuri Harari, autor de Sapiens, isso representa um acréscimo de cerca de 2% no PIB de um país. No Plano de Ação Climática do Estado de São Paulo, que está em fase de compilação final após consulta pública, estima-se que o investimento adicional anual será de 0,25% do PIB até 2030. É preciso divulgar e alertar para esta informação pois ela pode destravar resistências à ação climática. 

Como o setor hospitalar pode contribuir com essa desafiadora meta assumida pelo País? 

O PHS estruturou uma plataforma de orientação e reporte de dados para o setor de Saúde poder gerenciar e agir sobre suas principais fontes de emissões de gases de efeito estufa em quatro áreas estratégicas: eficiência energética, gestão e redução de resíduos, padrões de compras sustentáveis e cálculo de emissões. Nossa orientação é que as instituições calculem e reportem suas emissões anualmente para poder elencar ações prioritárias, embasar suas ações e assumir metas. É preciso agir, especialmente, sobre a gestão de resíduos, para minimizar a emissão de metano em aterros. Substituir o uso do Óxido Nitroso, que tem alto potencial de aquecimento global, como anestésico por outras opções menos agressivas à atmosfera, como o Isoflurane e o Sevoflurane, quando possível. Sobre o consumo eficiente e sustentável de energia, também há muitas oportunidades, como uso de energia solar, substituição de lâmpadas convencionais por lâmpadas LED e uso de combustível renovável e eletricidade em transporte, inclusive da cadeia de abastecimento e transporte de pacientes e funcionários. 

Os hospitais estão preparados para a transição para uma economia de baixo carbono? 

Com boa orientação e gestão não só podem fazer sua transição, mas também estimular e dar impulso para que a transição aconteça mais ampla e rapidamente em todos os setores da economia. As boas práticas são conhecidas para o setor de Saúde e há muito que se pode fazer, mesmo que ainda não haja recursos financeiros suficientes destinados à agenda do clima em nosso país. Devem começar pela identificação de suas atividades de alta emissão de gases do efeito estufa — e que têm soluções acessíveis — e seguir agindo para lidar com as que têm solução desconhecida ou de alto custo neste momento. Haverá avanços mensuráveis desde que se inicie o processo na direção certa. 

Qual o papel da tecnologia na descarbonização dos hospitais? 

Acredito que não se trata apenas de tecnologia, mas sim de inovação de forma mais ampla. A inovação poderá impulsionar a descarbonização de forma exponencial. Há a expressão leapfrogging do inglês, que vem sob inspiração do salto do sapo. Ou seja, um avanço muito amplo e rápido. A inovação tem este potencial e não é necessariamente cara. Será mais eficiente tanto quanto contemplar diversas realidades econômicas e regionais. Veja a inovação no avanço do teletrabalho e da telemedicina nos últimos três anos. Rompeu-se uma barreira tecnológica e cultural devido a uma grande necessidade. No caso, a pandemia da covid-19. Em relação ao processo disruptivo das mudanças climáticas, a inovação deve ser incentivada e valorizada. 

Quais desafios os hospitais enfrentam em termos de descarbonização? 

É muito importante inserir a lente climática na formação da área de Saúde para facilitar a busca e implantação de soluções no dia a dia de uma unidade hospitalar. Promover a cultura e o conhecimento sobre as causas, efeitos e ações para enfrentamento da emergência climática é muito importante para que todos os envolvidos estejam cientes da situação e colaborem harmonicamente. Importante também haver ação coordenada para descarbonização de toda a cadeia de consumo do setor de saúde. Este é um esforço que deve envolver autoridades de saúde em todos os níveis de ação, inclusive esforços conjuntos entre países e regiões. 

Que oportunidades a descarbonização apresenta para os hospitais? 

Resiliência e economia. Os hospitais devem resistir a eventos extremos de clima, cada vez mais intensos e frequentes. Contribuir para um modo de operação de altas emissões é altamente prejudicial à saúde, bem como à infraestrutura e cadeia de abastecimento de instituições do setor. E, em termos de economia, podemos citar iniciativas voltadas à eficiência energética. O retorno econômico é bastante rápido. 

Quais mudanças os hospitais precisarão fazer em termos de operação e gestão para apoiar a descarbonização? 

Adotar o quanto antes os padrões sustentáveis, já amplamente conhecidos, agir em conjunto com os esforços de descarbonização de sua região e definir uma estrutura de governança que apoie a gestão das emissões a partir da coleta de dados. Eles tanto serão usados para calcular o efeito de uma mudança quanto para reportar as emissões anualmente. Também é importante assumir sua força na liderança social para proteção da saúde pública e planetária às mudanças climáticas. 

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